Jamais presenciei maior demonstração de apreço, de amor e de gratidão, do que ver uma família, representada por filhos, genros, noras, netos, bisnetos e outros membros, preparando-se para a comemoração dos
CEM ANOS DE NASCIMENTO de um Patriarca, quando este já partiu para a eternidade há mais de três décadas.
Foi nesse clima de entusiasmo, que nem mesmo a perversa Pandemia que assola o mundo atualmente atreveu-se a tirar o brilho, que fui convocada por uma das filhas do aniversariante, Clarice Araújo
Marinsalta, para prestar um testemunho sobre a vida do seu inesquecível Pai.
Pela amizade que vem atravessando gerações com o mesmo respeito mútuo, a convocação pareceu-me irrecusável. Por outro lado, surgiu em mim um duplo sentimento para o desempenho da especial missão:
honra, pela deferência à minha pessoa; e dificuldade, pelas preocupações advindas do momento que atravessamos. Após refletir, senti a prevalência do primeiro, ou seja, a honra de associar-me à família na
prestação da justa homenagem a um verdadeiro HERÓI.
Os primeiros contatos que tive com o Homenageado ocorreram no início da década de cinquenta, quando meus pais mudaram de endereço, fazendo com que eu, ainda criança, passasse a ser vizinha da família
Carvalho Araújo Lima. Aliás, a mudança naquela época tornou-se fato comum entre os moradores do então povoado Brejo dos Paraibanos, motivados pela construção do seu Primeiro Mercado, por volta de
1948, visando a aquisição de um ponto comercial no referido centro de negócios ou ao menos próximo à nova edificação. Dessa forma, como os comerciantes sempre mantinham os familiares perto de suas lojas,
também tiveram que investir na construção de novas moradias.
A amizade entre as duas famílias que já se conheciam antes mesmo da troca de endereços, formou-se pelos laços de vizinhança (bem diferente dos dias atuais, onde por vezes sequer sabemos o nome de quem
mora do nosso lado), lembrando que nos saberes dos nossos pais havia um mandamento: “O vizinho é um parente muito próximo, na necessidade é ele quem primeiro nos socorre”. Seguindo-se os princípios de
usos e costumes da época, com a aproximação residencial surgiam aos poucos: visitas, troca de favores, cumplicidade de sentimentos na dor e na alegria, no fracasso e no sucesso, e até mesmo um convite para se
tornarem compadres, como ocorreu, bem mais tarde, com o nascimento da pequena Cleonilde, carinhosamente chamada de “Nide”, levada à pia batismal por minha mãe e meu irmão Onildo.
Quanto à pessoa de Sebastião Araújo Lima, tenho a afirmar que era um homem probo, cônscio de suas responsabilidades e dedicado ao trabalho: além de comandar o grupo de operários na fabricação de
calçados, executava com primor a arte de selaria, sendo pois, bastante procurado pelos habitantes de Brejo dos Paraibanos e de lugares circunvizinhos, atraídos pela qualidade do serviço, bem como pela garantia
do material usado na confecção de um resistente calçado ou de uma boa e bonita montaria.

Nesse caminhar, o Empreendedor logo começou a colher os frutos do profícuo trabalho: o crescimento da oficina foi ocorrendo aos poucos, obrigando-o a buscar em outros centros comerciais insumos
necessários ao atendimento da grande demanda, incluindo a compra de um caminhão, que muito serviu como meio de transporte para a localidade onde morava, a essas alturas não mais um simples povoado,
mas a sede do Município de Paraibano.

Sebastião, a exemplo do Santo que lhe dera o nome e que marcara a data do seu nascimento, era um guerreiro incansável, dotado de muita coragem, sem jamais temer os óbices comuns na caminhada de quem
mantém uma família bastante numerosa. Ele e a esposa, Maria Carvalho de Araújo, sempre procuraram dar aos filhos mais do que receberam. Acrescente-se que, ao lado do trabalho, a alegria reinava na casa da
família. A felicidade transparecia no sorriso constante do Proprietário, que à noite sempre afugentava a mesmice da pequena cidade com as músicas de seu ídolo Luiz Gonzaga, cujos discos de cera rodavam na
pequena radiola por ele manejada, sem qualquer reclamação de cansaço, mesmo depois de um dia de intenso labor.

Sendo eu uma das devotas de São Sebastião, sempre guardo na lembrança o entusiasmo do Homenageado durante o festejo do nosso grande Mártir, principalmente nos famosos leilões, oportunidade em que se
juntava aos demais habitantes, inclusive aos meus familiares, para valorizarem as joias ofertadas pela comunidade.

O tempo passava e Sebastião Araújo Lima, ao contrário de alguns dos seus parentes, jamais quis seguir a carreira política. O seu grande foco era a educação dos filhos, para tanto não vacilou em mudar-se para
Floriano/Piauí, deixando para trás o resultado do trabalho procedido ao longo de muitos anos, materializado em casas, pontos comerciais, oficina, etc, para tentar a vida em outra cidade, mesmo sem a certeza de
alcançar o sucesso econômico necessário, mas revestido de fé em Deus e confiança no futuro que idealizava para seus descendentes.

Assim, apostando todas as cartas e contando com o apoio indispensável da sua esposa, que além de arcar com os trabalhos de dona de casa, sempre foi o seu braço direito em todos os negócios, deu continuidade à
luta ingressando no ramo de transporte, já que a construção da Hidrelétrica Castelo Branco conhecida como Barragem da Boa Esperança gerava um grande movimento de passageiros, ao tempo em que
acenava para os novos empreendedores com um convite bastante promissor.

É ressabido que todo empresário vive não apenas de lucros e de sucessos. Difícil é entender-se de onde vinha a força que movia o Herói em tela, para que não fraquejasse diante dos obstáculos. A seguir,
transcrevo versos do grande poeta Francisco Otaviano, que muito bem se encaixam à bravura ora retratada:
“Quem passou pela vida em branca nuvem,
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu;
Foi espectro de homem, não foi homem,
passou pela vida, não viveu.”

Fazendo minhas as palavras do referido Poeta Carioca, posso dizer que Sebastião não apenas passou pela vida, mas viveu, intensamente, cada momento da vida.

É bem verdade que os primeiros filhos muito cedo passaram a contribuir, de acordo com as possibilidades de cada um, para que a família se mantivesse unida e para que o incansável Pai se sentisse apoiado na
busca dos seus objetivos.

Novas mudanças ocorreram e novos trabalhos foram realizados, até que a bela Recife se transformasse na “Terra Prometida” onde o Herói encontraria o celeiro que alimentasse o seu sonho.

Abençoado com a chegada de mais dois herdeiros nascidos em Floriano, Sebastião fixou sua nova residência na capital do Pernambuco a partir de 1973, após morar durante dois anos em
Imperatriz/Maranhão, acompanhado pela esposa e dez dos doze filhos gerados (perdeu dois, ainda bebês): Clodomir, Clodionor, Clarice, Cleber Alberto, Cleonice, Cleozimar, Cleosmalinda, Cleonilde,
Francisco e Césia Maria, com o mesmo entusiasmo dos seus tempos de juventude, quando o futuro se descortinava para o presente sempre apontando o caminho do sucesso.

Eis o futuro alcançado!… Assim deve ter dito para si o Herói, na alegria do dever cumprido. Enfim, a possiblidade do ingresso em uma Universidade ou o encontro de uma atividade capaz de proporcionar aos
seus filhos um crescimento social e econômico condizente com as batalhas travadas.

Uma verdadeira saga do Homenageado, cantada e decantada com orgulho pelos familiares e amigos. Resistiu, com o dom da fortaleza que o Divino Paráclito lhe concedeu, os percalços da vida, inclusive a perda
do filho Cleber Alberto em 28 de junho de 1980 (já cursando o último período de Medicina), e a partida de sua esposa e fiel companheira, ocorrida em 29 de maio de 1984.

Nessa jornada de perdas e vitórias, sempre houve um olhar de Sebastião Araújo Lima para a Terra querida, Paraibano, onde tudo começara e que nunca deixaria de ser o alicerce da construção do seu futuro. Era
com prazer que dividia com os paraibanenses a emoção por ele sentida quando um filho era aprovado em um vestibular, por vezes trazendo o próprio universitário para rever as suas origens. Jamais esqueceu
Paraibano. Esse nobre sentimento de cidadania implantado no coração dos descendentes foi, sem dúvidas, a grande inspiração para que a escolha do local da realização do grande evento recaísse sobre a nossa
cidade.
Como paraibanense, apresento votos de boas-vindas a todos que se deslocaram de vários estados brasileiros: Pernambuco, Piauí, Ceará, Bahia e, inclusive, de outro continente (da Velha Europa), para
comemorarem Os Cem Anos de Nascimento do querido Patriarca, que veio ao mundo em 20 de janeiro de 1921 e partiu para a morada definitiva em 23 de outubro de 1989.

Comungando o pensamento de Santo Agostinho, creio que estamos todos juntos, inclusive Clodomir, Cleber Alberto, Clidemar e Cleoneide – que apenas estão em outro plano – para expressarmos o amor e o
respeito por aquele que soube “combater o bom combate”.
Afinal, não poderia esquecer o Poeta das Palmeiras, Antonio Gonçalves Dias, que na bela “Canção do Tamoio”, enaltece os fortes e bravos, como o foi Sebastião Araújo Lima:

“Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só faz exaltar.

São Luiz, 02 de julho de 2011
Por Eliza Brito Neves dos Santos – Amiga